09 out 2021

Lei nº 13.979/2020 e a vacinação compulsória.

postado em: Coluna da Zafalão

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É cediço que a pandemia ocasionada pela COVID-19 impactou diretamente todo o mundo e, por conseguinte, todos os setores de nossa sociedade. Dada a proporção verificada, como era de se esperar, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário passaram a regular o tema em várias frentes, com vistas a amparar e nortear as ações de intervenção sanitária para frear e, gradativamente, pôr fim à calamidade vivida.

Nesse sentido, nossa Constituição Federal prevê em seus artigos 196 e 197, respectivamente, que:  “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”; e que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”.

Pois bem. Nesse cenário acima exposto, foi publicada a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Em seu artigo 3º, inciso III, alínea “d”, a Lei nº 13.979/2020 versa o seguinte:

“Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:

(…)

III – determinação de realização compulsória de:

(…)

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou (…).”

Instado a analisar o tema e o dispositivo acima expostos, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de repercussão geral (tema: 1103) no ARE 1267879; bem como estabeleceu através de julgamento do tema, nas ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) 6586 e 6587, o seguinte:

“(A) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; (iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (B) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.”[1].

Verifica-se que a vacinação é compulsória, mas não pode ser forçada, conforme exposto. O fato de ser compulsória, autoriza a imposição de sanções indiretas como a restrição ao exercício de atividades; bem como à frequência em determinados locais.

Ora, visa-se proteger a saúde pública; da coletividade e, assim sendo, é razoável que os recalcitrantes, que se negam a tomar a vacina, sejam tolhidos em alguns de seus direitos, com vistas à proteção da maioria.

É possível que tais restrições incluam a não concessão de visto, a proibição de frequentar alguns locais e, ainda, vale ressaltar que há Projeto de Lei (PL nº 5040/20) tramitando e que tem por fito impor àquele que se recusar a tomar a vacina contra a Covid-19, as mesmas consequências de quem não vota e não apresenta justificativa à Justiça Eleitoral, que compreendem, dentre outras: a proibição de ser nomeado para cargo público, de se inscrever em concurso e de obter alguns tipos de empréstimos.

Nesse mesmo sentido, se verificarmos a ótica trabalhista, é de se avaliar a possibilidade até mesmo de demissão por justa causa, a depender do cenário. Ora, à época em que analisou a constitucionalidade da MP 927/2020 (que dispôs, entre outros, sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus), o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que cabe ao empregador comprovar que adotou todas as medidas de higiene, saúde e segurança para evitar a contaminação no âmbito laboral.

Cumpre ressaltar que, no que tange às crianças, não há discussão, sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) é cristalino quanto à obrigatoriedade da “vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Inclusive, o Estatuto prevê em seu artigo 249, penas pecuniárias (multa) a quem, de forma dolosa ou culposa, descumprir “os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda.”.

Nesse passo, o Código Penal dispõe em seu artigo 268, caput e parágrafo único que, in verbis: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.”.

Verifica-se, também no caso do dispositivo acima, que as balizas delineadas pelo STF expostas acima neste texto, contribuem para tornar objetivos alguns critérios que acabam por auxiliar no que tange à produção de provas aptas da caracterização do perigo concreto e irrefutável que poderia justificar a aplicação deste dispositivo penal.

É certo que todos estamos vivenciando este momento de batalha contra a COVID-19 e que pretendemos – e iremos – superá-lo. Uma das armas mais valiosas é, sem dúvida, a informação, que auxilia diretamente na tomada de decisão.

Por fim, com vistas à reflexão, resgata-se aqui o aclamado artigo 5º da CF, o qual contempla os direitos e garantias fundamentais, destacando-se que, em seu caput, nesta ordem, consigna os direitos: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Pode-se dizer que deles decorrem todos os demais direitos abrigados em seus incisos.

Autora: Elisa Zafalão – Advogada, graduada pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Pós-Graduanda em Direito Público pela Instituição Damásio Educacional, atuante nas áreas Cível e Administrativo. Email: elisazafalao@gmail.com.

A advogada Elisa Zafalão escreve periodicamente para o SaudeOcupacional.org, na “Coluna da Zafalão”.

Obs.: esse texto traduz a opinião pessoal da colunista, não sendo uma opinião institucional do SaudeOcupacional.org.

1 Fonte: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346093809&ext=.pdf>. Acesso em
08 out 2021.

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